quarta-feira, 19 de abril de 2017

Densidade de pobreza e Victor Hugo


Conversando com uma grande amiga minha aqui de Brasília e uma das maiores epidemiologistas que conheço, Helen Paredes, chegamos à conclusão que as pessoas têm pudor de dar nome aos bois. Até mesmo na epidemiologia.
Ela me falou de um indicador espacial que ela desenvolveu durante o doutorado dela, que georreferenciava as regiões com maiores bolsões de pobreza e o chamou de “Densidade de pobreza”. Nome mais apropriado impossível.
Claro que a banca da tese caiu matando. “Que nome horroroso!”, “Que nome feio, muda isso” foram algumas das frases que ela ouviu. Pois bem, eu acho que o nome tem que ser feio mesmo porque o que ele representa não é nem um pouco bonito.
Pobreza só existe por conta de desigualdade social, de falta de investimentos públicos em educação e saúde, por conta da corrupção descarada que assola esse país, por conta da desonestidade de muitos, desde roubar pequenas coisas como desviar milhões. Não importa o tamanho do roubo. Caráter não é quantificável. Ou tem ou não tem. Muitos não fazem isso por falta de oportunidade e só.
Pobreza existe por conta do capitalismo desenfreado aliado a pessoas perversas e a falta de caráter. E por falta de uma boa surra. O nome que ela deu não poderia ter sido mais adequado. É como chamar pobre de humilde. Me dá náuseas isso. Hipocrisia! Conheço pessoas ricas e humildes. Conheço pessoas pobres e arrogantes. Conheço de tudo. Humildade está relacionada com caráter e valores pessoais e de vida, pobreza é advinda da desigualdade social, exploração e corrupção. Uma coisa não tem absolutamente nada a ver com a outra. Mas dizer que alguém é humilde soa bonito, quase romântico. Só que não existe romantismo nenhum dentro de uma panela e uma barriga vazias.
O nome tem que ser dado exatamente para o que ele representa. E se ele for um tanto feio, melhor – quer dizer que aquilo está errado e precisa ser mudado. Ainda bem que nomes feios existem.
Mas, como boa irônica que sou, não resisti a uma piada e disse que ela deveria chamar o indicador de “Densidade Victor Hugo”, em homenagem ao autor de “Les Misérables”. Com um nome fino desses, acho que os hipócritas ficariam mais confortáveis.


Daniele Van-Lume Simões    19 de abril de 2017

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