quarta-feira, 19 de abril de 2017

Honestidade


Hoje me aconteceu uma coisa muito desagradável. Descobri que não temos o direito de esquecer nada, nenhum objeto de valor, em lugar nenhum, nem que esse lugar seja seu ambiente de trabalho.
Ontem à noite eu esqueci uma necessaire no banheiro feminino do prédio do Ministério que trabalho com uns itens de maquiagem importada dentro. Estava cansada, com fome, tinha que fazer jantar, colocar roupa para lavar, organizar a casa. Tinha trabalhado um bocado, porque no Ministério é bem dinâmico. Entrei, usei o banheiro e esqueci a nécessaire lá dentro. Saí do trabalho às 18:40 h.
Hoje pela manhã, ao procurar na minha bolsa a nécessaire para me maquiar para ir trabalhar, me dei falta dela. Pensei com meus botões: “Alguém deve ter visto e guardado. Quando chegar ao trabalho, vou perguntar quem guardou”. Quanta inocência. Esqueci, além da nécessaire, que moramos no Brasil.
Perguntei a todos assim que cheguei e nada. Três colegas de trabalho a viram no banheiro, mas não guardaram nem entregaram na recepção. Tive mais uma lição aí: que muitas vezes não ligamos para o que não é nosso. Talvez também tenham deixado lá para que a dona, no caso eu, lembrasse e voltasse para buscar. Mas o certo mesmo é pegar e entregar na recepção, registrando no livro de ocorrências. Mesmo assim, a culpa não é nossa – nem minha, nem de quem viu e a deixou quietinha. Se todas as pessoas que a viram tivessem deixado lá, obviamente ela estaria no mesmo lugar de ontem. Bom, o fato é que a nécessaire não apareceu. Sumiu. Ou melhor, alguém sem escrúpulos a viu e furtou. Achado e não devolvido é roubado sim. Esse ditado de que “achado não é roubado” é ridículo. Fui furtada dentro do meu próprio ambiente de trabalho.
Não é só pelo prejuízo de 400 pratas, afinal eram maquiagens caras e que comprei com o suor do meu dinheiro em suaves prestações. Escutei que eu saí tarde demais do trabalho e por isso não tinha como cobrar uma resolução do caso. Gente, caráter não bate ponto e larga às 18h não. Caráter ou se tem ou não tem e se tem, ele é permanente. Escutei também que “Ah, era só maquiagem”. Além de ser uma maquiagem cara, pensei que e se fosse um celular, um tablet, um computador com trabalhos importantes? Podia ser qualquer coisa, desde um berilo até um notebook ultra high tech. Se não é seu, guarde e entregue na recepção. Ou, pelo menos, não mexa.
Aprendi que é mais fácil culpabilizar a vítima. Disseram que a culpa foi minha de ter esquecido. Todo mundo tem o direito de esquecer alguma coisa, mas ninguém tem o direito de tomar esta coisa indevidamente para si. Isso é crime. Não estou falando de esquecer no meio da rua, estou falando de esquecer dentro de uma sala, no 6º andar, de um prédio ministerial.
São situações como essas que me envergonham de ser brasileira. São situações como essa que me embrulham o estômago, que me deixam triste e desanimada de viver nesta bosta de país. São situações como essa que me fazem ser descrente nas pessoas. É inadmissível, num ambiente que entram pessoas educadas, trabalhadores, acontecer esse tipo de coisa. Isso gera um clima de desconforto horrível e também de insegurança, pois você não tem a menor ideia de quem foi. Ou até tem, mas não tem como provar. Falta de caráter não tem classe social.
Hoje tive uma lição que não gostaria de ter tido. Que no Brasil, a honestidade não é a regra.

Daniele Van-Lume Simões    19 de abril de 2017


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